A linguagem subjetiva em
letras de música parece ser um caso moderno, ou melhor, contemporâneo. Até os
anos cinquenta não se tem muita notícia, no Brasil ou no mundo, de letras que
claramente dependiam da interpretação do ouvinte. Geralmente os autores
deixavam transparecer de forma clara suas intenções, que mensagem
estavam passando, ainda que com o uso de metáforas.
Na literatura, essa forma de
leitura deve-se, em parte, ao aparecimento da narrativa não linear que marca o
início da literatura moderna, inaugurada por Gustave Flaubert no romance
inacabado “Bouvard e Pecuchét”, 1881.
Um pouco antes disso na
França, poetas, pintores, dramaturgos e escritores, influenciados pelo
misticismo do pensamento, da arte e de religiões orientais, começam a lançar a
base do Simbolismo, outro movimento que colaborou para valorizar ainda mais o
ponto de vista do indivíduo em detrimento do senso comum ou do plano geral. Nesse
sentido, os simbolistas valorizavam também o inconsciente e o sonho – alguns
anos mais tarde começam a surgir as bases da psicanálise, de Freud, o que tende
a confirmar que a arte está sempre ligada às manifestações de seu tempo e
vice-versa. O grande precursor do movimento, que em 1881 recebe o rótulo
pejorativo de Decadentismo, e só em 1886 é nomeado Simbolismo, foi o poeta
francês Charles Baudelaire com "As Flores do Mal", de 1857 (Charles
Darwin lança, em 1859, "A Origem das Espécies"). Outros grandes
expoentes do movimento são Paul Verlaine, Arthur Rimbaud e Stéphane Mallarmé.
.
Outro movimento importante
para a consolidação da literatura moderna foi o Imagismo, escola estética lançada em 1921 por Ezra Pound que propunha a maior utilização da linguagem
coloquial, a despreocupação com a métrica, os versos livres e as imagens:
descrever e “pensar” as imagens mais do que compará-las. O objetivo era também
libertar a poesia de recursos retóricos como a analogia, o sentimentalismo e o
idealismo. Pound propagou as ideias de T. E. Hulme, que dizia que a poesia utilizando-se de imagens e da metáfora teria maiores possibilidades de exprimir
o que realmente se desejava.
A literatura moderna é
definitivamente instaurada por James Joyce com o surgimento do seu “Ulisses”,
em 1922, a partir do emprego de linhas temporais desconexas e formas caleidoscópicas
de se contar uma estória. E na poesia, no mesmo ano, o inglês T. S. Eliot lança
The Waste Land. Apesar da obra não ter tido grande repercussão à época,
apresenta mudanças abruptas de narração, localidade e tempo. Todos esses fatores reunidos
colaboraram para o estabelecimento da linguagem subjetiva.
Voltando ao caso específico de letras de música o fenômeno parece coincidir com a contracultura americana, com a urgência em se desconstruir a ordem vigente, com o crescimento do individualismo e com a era da informação e seus conteúdos em "pílulas" e hipertextuais.
Voltando ao caso específico de letras de música o fenômeno parece coincidir com a contracultura americana, com a urgência em se desconstruir a ordem vigente, com o crescimento do individualismo e com a era da informação e seus conteúdos em "pílulas" e hipertextuais.
Temos, portanto, um novo
cenário em que não apenas uma letra de música, mas outros tipos de textos, em
prosa e verso - muitos deles para cinema, televisão e mídias eletrônicas -
podem ser também um mosaico de informações a partir de colagens de palavras, de
frases, de sentidos e até de temas.
Vejamos o seguinte exemplo:
Todo dia um ninguém José acorda já deitado
Todo dia, ainda de pé, o Zé dorme acordado
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia
Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado
De que o dia insiste em nascer
Mas o dia insiste em nascer pra ver deitar o novo
Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada
Toda bossa é nova e você não liga se é usada
Todo o carnaval tem seu fim
Todo o carnaval tem seu fim
E é o fim
E é o fim
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz !
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz
Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco?
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco
Toda escolha é feita por quem acorda já deitado
Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado
E pinta o estandarte de azul
E põe suas estrelas no azul
Pra que mudar?
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz !
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz !
Todo dia, ainda de pé, o Zé dorme acordado
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia
Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado
De que o dia insiste em nascer
Mas o dia insiste em nascer pra ver deitar o novo
Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada
Toda bossa é nova e você não liga se é usada
Todo o carnaval tem seu fim
Todo o carnaval tem seu fim
E é o fim
E é o fim
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz !
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz
Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco?
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco
Toda escolha é feita por quem acorda já deitado
Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado
E pinta o estandarte de azul
E põe suas estrelas no azul
Pra que mudar?
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz !
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz !
O que diz o texto? Fala de
algo bom ou ruim? Uns acham a mensagem positiva, outros totalmente o contrário.
E você, o que acha? Dá para se entender claramente o que está sendo falado?
Dificilmente. Até porque a intenção não parece ser essa. Mas mesmo não se
sabendo exatamente o que significam todas essas frases agrupadas, há um
conteúdo abstrato, intuitivamente compreensível, em pinceladas, que pode ser
lido de várias maneiras. E o mais importante: há muitas indicações de caminhos
e muitas portas de entrada e saída. É, ainda, um outro modo, menos linear - e
muitas vezes não linear - de se concatenar ideias.
Gostando ou não dessa forma
de se escrever, o fato é que ela existe, é hoje utilizada por muita gente e
parece que veio para ficar, não em detrimento das formas mais tradicionais ou
explícitas, mas como um jeito outro de se expressar.
Magno Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário