A Ponte (Lenine / Lula Queiroga)
Como é que faz pra lavar a roupa?
Vai na fonte, vai na fonte
Como é que faz pra raiar o dia? No
horizonte, no horizonte
Esse lugar é uma maravilha, mas
como é que faz pra sair da ilha?
Pela ponte, pela ponte
A ponte não é de concreto, não é de
ferro, não é de cimento
A ponte é até onde vai o meu pensamento
A ponte não é para ir, nem pra
voltar, a ponte é somente atravessar
Caminhar sobre as águas desse
momento
A ponte nem tem que sair do lugar,
aponte pra onde quiser
A ponte é o abraço do braço de mar
com a mão da maré
A ponte não é para ir nem pra
voltar, a ponte é somente atravessar
Caminhar sobre as águas desse
momento
Nagô, Nagô...na Golden Gate
Entreguei-te meu peito jorrando meu
leite
Atrás do retrato postal fiz um
bilhete, no primeiro avião mandei-te
Coração dilacerado, de lá pra cá
sem pernoite
De passaporte rasgado sem ter nada
que me ajeite
Coqueiros varam varandas no Empire
State,
Aceite minha canção hemisférica,
minha voz na voz da América
Cantei-te, amei-te.
Analise da letra de “A Ponte” (Lenine / Lula Queiroga)
Características principais:
Estrutura de idéia central. Mensagem
metafórica. Abertura indireta. Narrativa
reflexiva. Incursões relacionais. Deconstruções (desconstruções + reconstruções). Jogos de palavras e ou
rítmicos. Pergunta e resposta.
1ª estrofe: num jogo
de pergunta e resposta os dois primeiros versos aludem, indiretamente, a um
determinado lugar. E essa alusão já estabelece pelo menos duas primeiras
imagens: alguém (ou pessoas) lavando roupa na fonte e o dia raiando no
horizonte . Percebe-se também um jogo rítmico nas respostas: “vai na fonte, vai
na fonte” e “no horizonte, no horizonte”. Imagens e jogos rítmicos: dois
potenciais causadores de interesse. Devemos ainda considerar a sonoridade e a
semântica das palavras que foram ditas, além da métrica dos versos; o que deve
ser feito ao longo de todo o texto. E, por fim, podemos analisar a abertura
como indireta, pois a temática ainda não é clara.
No terceiro verso o autor fala diretamente sobre um lugar, "esse
lugar é uma maravilha". E num bom domínio de síntese emenda o quarto verso
questionando como se faz para, caso se queria, sair desse ambiente, que é uma
ilha; mais imagens. E mais uma vez com bom poder argumentativo, no próximo
verso já aponta o caminho, "pela ponte, pela ponte", terminando a
estrofe com mais um jogo rítmico e mais uma imagem. As ideias se desenvolvem
rapidamente em poucas palavras e geram muitos signos pelo caminho. Temos na
primeira estrofe, portanto, diversos elementos causadores de interesse.
2ª estrofe: o
interesse é potencializado pela surpresa da metáfora, que alude a uma ponte
cultural, causando uma reversão de expectativas. Até então, possivelmente, acreditávamos se tratar de uma ponte física.
Surge, no entanto, a ideia de uma ponte imaterial, que pode sugerir a força de
nossa imaginação, a possibilidade de se vencer fronteiras e barreiras ou, o que
é também provável, nos conectar com a ideia da internet, da velocidade
e das possibilidades de nossa atual comunicação, do mundo globalizado, do tudo
acontecendo ao mesmo tempo agora. Mais uma vez, em poucas palavras, há muitos
signos contidos, visíveis ou a serem desvendados, ou mesmo reverberados e
multiplicados dentro de nós.
3ª estrofe: o
primeiro verso reforça a ideia de uma ponte cultural, que abre um rol de novas
formas de se atuar no mundo. Há ainda um pequeno trocadilho entre "a
ponte" e "aponte". O uso de trocadilhos é sempre arriscado. Mas
neste caso, particularmente considero-o bem utilizado, participa de forma
natural do sentido do verso e com ele colabora positivamente.
A segundo verso traz um novo elemento semântico, inaugura um novo ângulo
na temática, ao começar a enfocar certo aspecto local atrelado ao global. E é
também um interessante distendimento poético: utiliza-se um recurso de imagem
alegórica, além de um bom jogo de palavras.
Por fim, repete-se nos dois últimos versos da estrofe os mesmos versos
da estrofe anterior, o que tende a reforçar a ideia da letra na cabeça do
ouvinte e contribuir para a "forma de letra de música".
4ª estrofe: apesar
de a estrofe se parecer mais com um forte ponto de impacto do que propriamente
com um refrão (embora seja uma analise subjetiva), chega-se ao ápice do tema
com um ótimo domínio de síntese: "Nagô, nagô, na Golden Gate". O
verso, ao mesmo tempo que condensa tudo que vinha sendo falado, fortalece ainda
mais a identificação com o ouvinte. Nagô somos nós, estendendo nossa atuação no
mundo globalizado, aqui, para o bem e para o mal (e cada um tem suas
impressões) representado pela Golden Gate, um ícone americano (embora não dos
mais representativos de um dito imperialismo). Representando a Golden Gate esse
mundo globalizado, e sendo Nagô a representação tupiniquim, não deixa de ser
também a imagem do próprio artista, Lenine, ganhando mundo, coisa que
perceberemos com mais nitidez na quinta e última estrofe.
5ª estrofe: o autor
passa para uma narrativa relacional "entreguei-te meu peito jorrando meu
leite...", o que ainda não havia ocorrido no texto. Esse procedimento,
geralmente afetivo, tende a reforçar ainda mais a comunicação com o ouvinte.
Observa-se também que a linguagem e a métrica ficam mais soltas, o que causa
distensionamento.
No segundo verso o autor manda notícias de fora. Nesse momento fica um
pouco mais claro que o artista está ganhando mundo. Os dois versos seguintes
reforçam a ideia: a alegoria "de passaporte rasgado" pode dizer tanto
sobre a trajetória do artista, agora irreversivelmente internacionalizado, como
sobre o irreversível processo de globalização. E, de certo modo, as duas coisas
podem se misturar.
O antepenúltimo verso, "Coqueiros varam varandas no Empire State",
potencializa ainda mais a argumentação, trazendo de um novo ângulo a ideia
anterior do regional atrelado ao global, dizendo também sobre o
próprio estilo musical do intérprete, o regionalismo misturado
a elementos de última geração. O autor é um
representante desse movimento. Nota-se ainda o jogo rítmico de palavras e a
imagem alegórica, deconstruída, o que mais uma vez causa relaxamento, enquanto
se transmitem mensagens significativas.
No penúltimo verso fica ainda mais clara a sutil (ou já não tão sutil)
intenção do autor, de vender seu peixe: “Aceite minha canção hemisférica, minha
voz na voz da América...”, dito de modo relacional, de um coração para
outro, com o auxílio de jogos de palavras, relaxamentos métricos, imagens
alegóricas, e, finalmente, no último verso: "cantei-te, amei-te / cantei-te, amei-te", para ficar ainda mais afetiva a proposta e aliviar a possibilidade de o autor parecer prepotente (um interessante jogo de bate e assopra).
Considerações finais:
essa letra de canção, na minha opinião muito bem construída, lançou o artista,
Lenine, para o Brasil, ainda que para um público segmentado. E conseguiu
transmitir várias mensagens de uma só vez: o mundo e suas novas possibilidades.
Como as tendências se apresentavam naquele momento, em 2006; e ainda continuam
se apresentando. Uma forma de se fazer música: regionalismo atrelado às novas
tendências mundiais, utilizando-se de elementos de última geração. A identidade
artística do intérprete contida na própria letra, e potencializada pelo tipo de
argumentação. A cumplicidade com o ouvinte, que também pode se sentir ali
representado.
Magno Mello
Quando vc fala dessa canção de internacionalização, ao ouvir a versão da acustico MTV, ganha outro centido ?? Tem também a participação do artista Gabriel Pensador.
ResponderExcluir"centido" com c pqp o povo brasileiro n tem salvação
ExcluirEntão, errei a participação que eu falei... Corrigindo ... Participacao GOG...
ResponderExcluirMeu nome é Daniel. Moro em Varsóvia, na Polônia. Estou usando o seu material para dar uma aula de português para estudantes de nível avançado aqui. Muito bom trabalho. Parabéns.
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